O silêncio e Eu
Em memória aos dez anos da morte de
Mário Quintana (1906-1994).
Escrevo às 20:47h
de uma cama
num Grande Hotel
no 8 andar em POA
O bloco de notas
estava mudo
e o ar que entrava pela janela
era tão frio quanto o frescor que vinha do Guaíba
A TV ligada era a única
que me trazia o som à memória
mas, as palavras, ah! As palavras...
não falam comigo há seis meses
até que num instante, entra um velho, magro, de cigarro na boca,
boina na cabeça, de andar curvo e fala mansa
e senta-se na poltrona , do lado esquerdo da minha cama e, logo ele foi falando:
- calma! Meu bom rapaz. Calma. Tenha paciência.
Há dez anos que deixei Porto Alegre
Sinto saudades...
Hoje, daqui de longe
‘Olho o mapa da cidade
como quem examinasse
a anatomia de um corpo
(é nem que fosse o meu corpo!)
sinto uma dor infinita
das ruas de Porto Alegre
onde jamais passarei...
Há tanta esquina esquisita,
há tantas nuanças de paredes,
há tanta moça bonita
nas ruas que não andei
(e há uma rua encantada
que nem em sonhos sonhei...)
quando eu for, um dia desses,
poeira ou folha levada
no vento da madrugada,
serei um pouco do nada
indivisível, delicioso
que faz com que o teu ar
pareça mais um olhar
suave mistério amoroso,
Cidade de meu andar
(deste já tão longo andar!)
E talvez de meu repouso...’
Então, meu bom rapaz,
retribu-o à visita que tu me fizeste à minha casa pela 4 vez,
e não vim antes por causa da idade
então relaxa, meu bom rapaz, porque com a poesia é assim mesmo:
às vezes, saudades,
noutras vezes,
só nós
e
o
silêncio.
Escrito:
08.04.2004